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domingo, 29 de janeiro de 2017

ESTE É O PRÓLOGO


Deixaria neste livro 
toda a minha alma. 
este livro que viu 
as paisagens comigo 
e viveu horas santas.

Que pena dos livros 
que nos enchem as mãos 
de rosas e de estrelas 
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda 
é olhar os retábulos 
de dores e de penas 
que um coração levanta!

Ver passar os espectros 
de vida que se apagam, 
ver o homem desnudo 
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte, 
a síntese do mundo, 
que em espaços profundos 
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias 
é o outono morto: 
os versos são as folhas 
negras em terras brancas,

e a voz que os lê 
é o sopro do vento 
que lhes incute nos peitos 
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore 
com frutos de tristeza 
e com folhas murchas 
de chorar o que ama.

O poeta é o médium 
da Natureza 
que explica sua grandeza 
por meio de palavras.

O poeta compreende 
todo o incompreensível 
e as coisas que se odeiam, 
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas 
são todas impossíveis, 
e por isso de noite 
vai por elas com calma.

Nos livros de versos, 
entre rosas de sangue, 
vão passando as tristes 
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta 
quando chora nas tardes, 
rodeado e cingido 
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura, 
mel celeste que emana 
de um favo invisível 
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível 
feito possível. Harpa 
que tem em vez de cordas 
corações e chamas.

Poesia é a vida 
que cruzamos com ânsia, 
esperando o que leva 
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos 
sãos os astros que passam 
pelo silêncio mudo 
para o reino do Nada, 
escrevendo no céu 
suas estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas 
e nunca remediadas, 
as vozes dolorosas 
que os poetas cantam!

Deixaria neste livro 
toda a minha alma...


tradução: William Agel de Melo

Federico García Lorca